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Diálogo de Impacto: Abandone o "Disse" e Aprenda a Escrever com uma Faca na Mão

  • Foto do escritor: Ana Amélia
    Ana Amélia
  • 2 de ago.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 30 de set.

Ilustração conceitual com vários balões de diálogo contendo ícones de ações e emoções, representando o enriquecimento da comunicação para além das palavras.

Pare de Dizer "Disse": Um Guia de Sobrevivência para Diálogos que Não Dão Sono


E aí, pessoal da pena e do teclado! Ana Amélia na área, e hoje vamos tratar de uma epidemia que assola o mundo da ficção mais do que bloqueio criativo em véspera de entrega: a "disselite". Sabe do que estou falando, né? Aquele medo paralisante de variar o verbo e acabar com um texto que mais parece um relatório da polícia: "ele disse", "ela disse", "ele disse de novo".

Vamos ser honestos: "disse" é o arroz com feijão dos verbos de elocução. É seguro, é funcional, ninguém tropeça nele. Mas viver só de arroz com feijão verbal, meus caros, deixa qualquer diálogo anêmico. Um bom diálogo é uma dança, uma briga, um flerte. E o que vem junto da fala — o aposto, aquela pequena rubrica do autor — é o passo de mágica que transforma a conversa em cena. É a diferença entre um personagem que fala e um personagem que vive.

O ponto não é proibir o "disse" para sempre (até os grandes mestres o usam, como um respiro), mas sim entender quando ele é preguiçoso. A questão é: o que seu personagem está fazendo? O que ele está sentindo? Como um gesto pode dizer mais que mil advérbios?

Hoje, vamos abrir a caixa de ferramentas e dar um basta nessa monotonia. Peguem seus cadernos, porque a aula sobre como dar vida, cor e, por que não, um pouco de veneno aos seus diálogos começa agora.


A Prova do Crime: Dissecando 5 Mestres da Escrita


A Regra de Ouro do nosso blog é clara: teoria sem exemplo é como café sem cafeína. Inútil. Para mostrar o poder de um bom aposto de fala, vamos espiar por cima dos ombros de cinco gigantes da literatura.


1. A Tensão no Gesto - Lygia Fagundes Telles


Nosso ponto de partida, o exemplo perfeito de guerra psicológica familiar. No conto "A Medalha", a mãe confronta a filha, Adriana, que chega de madrugada na véspera do casamento.

— Precisa ser também na véspera do casamento? Precisava ser na véspera? - repetiu a mulher agarrando-se aos braços da cadeira. — Precisa. A moça encostou-se no batente da porta. Abriu a bolsa e tirou o cigarro. Acendeu-o. Quebrou o palito e ficou mascando a ponta. — Acabou, mãe? Quero dormir.

A Disseção: Observem a técnica. Lygia não precisa escrever "disse a mãe, desesperada". Ela nos mostra o desespero no gesto de "agarrando-se aos braços da cadeira". Em resposta, Adriana não precisa dizer que está entediada. Sua sequência de ações é uma sinfonia de desprezo silencioso. Isso é narrar com o corpo dos personagens.


2. O Mínimo que Diz o Máximo - Clarice Lispector


Clarice era mestre em encontrar a imensidão no detalhe. Em "Feliz Aniversário", a aniversariante de 89 anos, uma figura quase ausente, finalmente se pronuncia. Veja a simplicidade devastadora do aposto.

— A senhora está servida? — perguntou a nora. A aniversariante examinou-a, o queixo trêmulo. E como um soluço saído do fundo do tempo:— Estou, minha filha. A nora olhou-a um instante, perplexa. A aniversariante piscou.— Eu também, minha filha.

A Disseção: "A aniversariante piscou." Só isso. Um gesto mínimo. Mas nesse piscar, cabe um mundo de sentimentos: cansaço, um lampejo de conexão, talvez até ironia. O aposto é a história inteira contida em um movimento de pálpebra.


3. A Voz que Nasce da Ação - Mia Couto


No conto "O homem que lia versos no olhar", Mia Couto constrói a atmosfera através das ações que precedem a fala.

Inclina-se sobre mim, espreita as horas no meu pulso, ajeita a boina sobre a cabeça e anuncia que se vai a retirar. Antes, porém, deixa tombar a receita sobre o meu colo. — Fique com esse papel — disse o homem.

A Disseção: A fala do homem só ganha seu peso por causa da coreografia que a antecede. A sequência de gestos (inclinar-se, espreitar, ajeitar, deixar cair) cria um ritual. O aposto aqui não é só uma ação, é um preâmbulo que carrega a fala de significado.


4. O Gesto como Sentença - Rubem Fonseca


Vamos ao asfalto. Rubem Fonseca sabe que, às vezes, a ação não apenas acompanha a fala, ela é a própria sentença. Do conto "Feliz Ano Novo":

— Entra aí — eu disse, empurrando-o com o cano do revólver.

A Disseção: Poderia ser apenas "ordenei". Mas Fonseca é mais inteligente (e brutal). O aposto "empurrando-o com o cano do revólver" transforma uma ordem verbal numa violência física e imediata. A fala e a ação são uma coisa só.


5. O Corpo em Redenção - Guimarães Rosa

No final de "A Hora e Vez de Augusto Matraga", o protagonista está moribundo. A fala é quase um suspiro, mas a descrição que a envolve é monumental.

Então, Augusto Matraga fechou um pouco os olhos, com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue, e de seu rosto subia um sério contentamento. Daí, mais, olhou, procurando João Lomba, e disse, agora sussurrado, sumido: — Põe a benção na minha filha...

A Disseção: Sim, o verbo é "disse", mas ele é a parte menos importante da frase. O que dá o tom é a descrição poderosa que vem antes: "com sorriso intenso nos lábios lambuzados de sangue...". Rosa pinta um quadro da redenção no rosto do personagem. O aposto é o cenário espiritual da voz.


Soltando os Bichos: Quando a Voz Vira Grasnado, Uivo ou Miado

Vamos agora a Coetzee. Leia este pequeno trecho de Desonra:

No palco, retomam a ação. Melanie empurra a vassoura. Um estouro, uma explosão, gritos de alarme. “Não foi culpa minha”, grasna Melanie, “Credo, por que tem de ser tudo minha culpa, sempre?”

Coetzee poderia ter escrito: "disse Melanie, com voz irritada". Mas ele usa "grasna". E, mais importante, ele nos entrega a fala dela, pura, sem o filtro da narração. Por alguns segundos, o narrador em terceira pessoa some. Esse truque — o discurso indireto livre — é uma arma poderosa que colapsa a distância segura entre o leitor e a cena. Nós somos arrancados da poltrona de espectador e jogados lá dentro, sem a proteção do narrador. A verossimilhança nasce desse desconforto, dessa proximidade forçada.


"Grasnar" é o som de um corvo. É um som feio, seco, irritante. Ao usá-lo para uma voz humana, o autor injeta instantaneamente toda essa carga de agressividade e feiura na fala da personagem. É uma metáfora poderosa que funciona num nível quase primal.

Esta é uma técnica de alto impacto. Ela conecta a emoção humana diretamente ao instinto animal, criando uma imagem mental e sonora fortíssima.


Um pequeno bestiário para seus diálogos:


  • Rosnou: Para uma ameaça contida, um ódio que vibra na garganta.

    • — Saia da minha frente — rosnou, sem desviar os olhos.

  • Sibilou: Perfeito para o desprezo venenoso, a raiva que corta como uma navalha.

    • — Você me paga — sibilou ela entre os dentes.

  • Latiu: Para ordens curtas, agressivas, sem pensamento.

    • — Agora! — latiu o chefe para a equipe.

  • Uivou: Para a dor profunda, o desespero sem controle, a perda.

    • — Por quê? — uivou ao ver a casa em chamas.

  • Grugulejou / Ronronou: Para a satisfação, a sedução, um contentamento quase físico.

    • — Eu sabia que você não resistiria — ronronou ela ao telefone.

  • Miou: Para o pedido manhoso, a súplica manipuladora, a falsa fragilidade.

    • — Mas eu não sei fazer sozinha — miou, fazendo beicinho.

  • Piou: Para uma intervenção tímida, uma reclamação fraca que mal se ouve.

    • — Com licença, acho que esse é o meu lugar — piou o rapaz.

Atenção, domadores de palavras: essa é uma ferramenta poderosa, mas deve ser usada com moderação. Como um tempero forte, uma pitada cria um sabor inesquecível; em excesso, estraga o prato todo. O uso exagerado pode soar caricato ou melodramático. Guarde para momentos de real intensidade emocional.


O Arsenal do Escritor: Listas para Salvar Seus Diálogos


Agora, de volta ao nosso arsenal mais tradicional. Salve estas listas. Use-as.


Apostos de Fala para Todas as Ocasiões


  • Ações físicas que revelam estado de espírito:

    • ...ajeitando os óculos no nariz.

    • ...tamborilando os dedos na mesa.

    • ...enquanto estudava uma rachadura na parede.

  • Tom de voz sem usar advérbios óbvios:

  • Ironia e sarcasmo:


Verbos Dicendi (Os Parentes Ricos do Verbo "Dizer")





Acrescentou

Bradou

Explicou

Aconselhou

Brincou

Exclamou

Admitiu

Bufou

Gaguejou

Afirmou

Censurou

Gemeu

Anunciou

Cochichou

Gritou

Argumentou

Concluiu

Indagou

Balbuciou

Decretou

Murmurou

Negou

Ponderou

Rosnou

Ordenou

Perguntou

Sussurrou

Protestou

Replicou

Vociferou


Verbos Sentiendi (Os Verbos da Alma)





Adivinhou

Depreendeu

Lamentou

Admirou-se

Desconfiou

Meditou

Ansiou

Desejou

Notou

Assentiu

Espantou-se

Ponderou

Considerou

Hesitou

Raciocinou

Constatou

Imaginou

Recordou

Deduziu

Indignou-se

Supôs

Irritou-se

Intuiu

Surpreendeu-se


A Tacada Final: Fundindo Fala e Ação


A técnica mais ousada é fazer a descrição ser a voz.

  • — Saia daqui — e sua voz era uma lâmina de gelo.

  • — Eu te amo — mentiu, com a facilidade de quem pede um café.

  • — Acabou — decretou, e a palavra pairou entre eles como uma sentença de morte.

Então, caros colegas de ofício, a missão é clara. Abram seus manuscritos, cacem cada "disse" preguiçoso e perguntem-se: o que meu personagem está fazendo? O que ele está sentindo? Como posso mostrar isso em vez de apenas contar?


Façam seus personagens agirem, sentirem, rosnarem e sangrarem quando abrem a boca. A literatura de verdade mora nos detalhes.


Até a próxima!

Ana Amélia



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