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Crônicas 4: Três Técnicas de Escrita para Crônicas

  • Foto do escritor: Adorama
    Adorama
  • 8 de out.
  • 6 min de leitura


Olá, comunidade de escritores! Adorama na área para continuarmos nossa jornada pela arte da crônica.

Nos nossos encontros anteriores, nós já entendemos a alma do gênero, montamos seu esqueleto estrutural e aprendemos a importância de dar a ele uma voz única e autêntica. Com a base teórica e identitária bem estabelecida, chegou a hora de arregaçar as mangas, abrir a caixa de ferramentas e conhecer três técnicas de escrita para crônicas.

Muitos acreditam que a crônica, por sua aparente espontaneidade, brota pronta, num estalo de inspiração. Isso é um mito. A melhor espontaneidade é aquela cuidadosamente construída. Por trás de um texto que flui, que emociona e que parece uma conversa despretensiosa, existem instrumentos de precisão sendo manejados com maestria.

Hoje, vamos nos concentrar em três dessas ferramentas essenciais, capazes de transformar uma boa ideia em uma crônica memorável. E, para isso, vamos aprender com dois artesãos da palavra: Martha Medeiros e Fabrício Carpinejar.


Ferramenta 1: A Arte da Primeira Frase (O Anzol)



Arte pop de um anzol em forma de letra "A" prestes a fisgar um olho, representando a técnica da primeira frase para capturar a atenção do leitor.

A primeira frase de uma crônica não é um aquecimento. É o evento principal. Em um mundo de distrações infinitas, você tem poucos segundos para fisgar seu leitor e convencê-lo a ficar. A primeira frase é o seu anzol. Ela precisa ser instigante, prometer uma história, confessar uma vulnerabilidade ou lançar uma provocação.

Ninguém faz isso com mais eficácia no cenário contemporâneo do que Martha Medeiros. Sua escrita é um convite à identificação imediata, e esse convite é entregue logo na porta de entrada do texto.

Ponto de Partida e Tese: Vamos ver como Medeiros usa a primeira frase como uma declaração de cumplicidade, quebrando instantaneamente a barreira entre autor e leitor.

Analisaremos o início da crônica "O Clube das Alices", onde ela parte de uma reflexão sobre a personagem de Lewis Carroll para falar sobre a sensação de inadequação e transformação na vida adulta. Observe como a primeira frase, aparentemente simples, já define o tom confessional, apresenta o tema central e gera uma curiosidade imediata.


De vez em quando, me sinto um tanto Alice, a do País das Maravilhas. Desproporcional. Inadequada. Fora de contexto. O que acontece com certa frequência: o mundo encolhe, ou sou eu que cresço demais?
Às vezes, o mundo é que se agiganta, e sou eu que me sinto uma formiga, tão insignificante que dá vontade de mudar de nome e de CPF, ser outra pessoa, em outro lugar.
Essa desproporção é mais comum do que se imagina. Olhe para o seu vizinho. Acha que ele está satisfeito com o tamanho que tem? Acha que a mulher dele gostaria de ter uns centímetros a mais de perna e uns a menos de neuras? Acha que o síndico está bem assim, ou preferia ser mais enérgico, mais temido, mais alto?
Estamos todos querendo nos adaptar. Estica daqui, encolhe dali.

A análise é cirúrgica: a frase "De vez em quando, me sinto um tanto Alice" é um anzol perfeito. Ela é, ao mesmo tempo, universal (quem nunca se sentiu inadequado?) e específica (a metáfora com Alice). Medeiros não diz "vou falar sobre inadequação". Ela confessa "eu me sinto assim". Essa vulnerabilidade cria uma ponte instantânea. O leitor não apenas entende o tema, ele se reconhece no sentimento. A ferramenta foi usada com precisão para transformar um texto em um espelho.


Ferramentas 2 e 3: Detalhes Sensoriais e Diálogos que Revelam


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Se a primeira frase é o anzol, os detalhes sensoriais e os diálogos são a linha que mantém o leitor preso, puxando-o para dentro da cena.

  • O Poder dos Detalhes Sensoriais: Em vez de dizer que um personagem estava nervoso, descreva a "mão suada escorregando na xícara de café". Em vez de dizer que era um dia de verão, fale sobre o "asfalto amolecido grudando na sola do sapato". Use os cinco sentidos (visão, audição, olfato, tato, paladar) para que o leitor não leia sobre a cena, mas a viva.

  • Diálogos que Revelam: Na crônica, o diálogo raramente serve apenas para trocar informações. Ele é uma ferramenta poderosa para revelar a personalidade de alguém, o clima de uma relação ou o absurdo de uma situação, tudo isso sem a necessidade de um narrador explicativo.


Fabrício Carpinejar é um mestre no uso dessas duas ferramentas para criar textos de alto impacto, com um ritmo pulsante e uma capacidade ímpar de condensar emoções complexas em poucas palavras.

Ponto de Partida e Tese: Analisaremos um trecho em que Carpinejar usa o diálogo (e a falta dele) e detalhes mínimos para construir toda a tensão e a profundidade de uma relação.

Resumo do Frame: A cena descreve um momento de silêncio compartilhado entre amigos, onde o não dito se torna mais eloquente do que qualquer conversa.

Foco no Mecanismo: Preste atenção em como o ritmo das frases curtas e os detalhes físicos (o roer das unhas, a posição do corpo) constroem a atmosfera e comunicam o estado emocional dos personagens de forma muito mais eficaz do que qualquer adjetivo.


Eu e meu amigo ficamos em silêncio por um tempo. Não era um silêncio constrangedor. Era um silêncio de cumplicidade.
Ele roía as unhas, olhando para o nada. Eu balançava a perna, olhando para o teto.
Não precisávamos falar. Sabíamos o que o outro pensava.
A dor dele era a minha dor. O medo dele era o meu medo.
— Vai passar — eu disse, por fim.
Ele me olhou, um olhar que era um abismo.
— Você acha?
— Tenho certeza.
E voltamos ao silêncio. Um silêncio que, agora, era de esperança. Um silêncio que era uma prece. Um silêncio que era, ele mesmo, a própria amizade.

Carpinejar nos dá uma aula. Os detalhes sensoriais são mínimos, mas potentes: "roía as unhas", "balançava a perna", "um olhar que era um abismo". Eles mostram, não contam, a angústia. O diálogo é espartano, com apenas quatro linhas, mas diz tudo sobre apoio, dúvida e fé. A repetição da palavra "silêncio" no final funciona como um recurso rítmico que martela a ideia central da crônica. Dominar essas ferramentas exige prática e, muitas vezes, um olhar externo. É nesse ajuste fino que um diálogo editorial se torna crucial, ajudando a polir cada frase até que ela brilhe com a máxima precisão, garantindo que cada detalhe e cada fala sirvam a um propósito maior na narrativa.


Reforço de Aprendizagem: Sua Caixa de Ferramentas Essenciais


  • Anzol na Primeira Linha: Sempre se pergunte: minha primeira frase faria alguém parar de rolar o feed do celular? Ela provoca, confessa ou surpreende?

  • Ative os 5 Sentidos: Releia seu texto e procure por frases abstratas como "ele estava triste". Substitua-as por um detalhe concreto: "ele mal tocou na comida e seus ombros pesavam como se carregasse o mundo".

  • Diálogo é Ação: Trate cada linha de diálogo como uma ação. Ela deve revelar algo novo sobre o personagem ou avançar a "microtrama" da sua crônica. Se uma fala não faz isso, talvez ela não precise estar ali.

Quer Escrever Bem? Leia e Leia e Leia...

📚A Estante de Ana: Meio Intelectual, Meio de Esquerda de Antonio Prata

Se a aula de hoje foi sobre ferramentas, Antonio Prata é um dos maiores mestres de obras da crônica atual. Neste livro, ele disseca o cotidiano da classe média paulistana com uma precisão assustadora. Sua capacidade de usar diálogos banais e detalhes observados com uma lupa para revelar as neuroses de uma geração é uma lição prática sobre tudo o que discutimos hoje.


☕Vamos Conversar?


Você tem a sensação de que suas frases de abertura poderiam ser mais impactantes? Acha que suas descrições não estão transportando o leitor para a cena como você gostaria? O manejo dessas ferramentas é o que separa um texto bom de um texto arrebatador. Às vezes, tudo o que precisamos é de um segundo par de olhos – um leitor profissional – para apontar onde a linha pode ser mais esticada, onde o anzol pode ser mais afiado. Nosso trabalho na Letra & Ato é ser esse parceiro de ofício. Envie-nos um trecho do seu trabalho. Nossa amostra gratuita é a maneira perfeita de iniciarmos um diálogo sobre como aprimorar sua técnica e dar ainda mais força à sua voz.

Um bom escritor conhece suas ferramentas; um grande escritor sabe que a melhor delas é um segundo olhar.


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MuitoMuito bom, gostei.

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