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Crônicas 3: A Voz do Cronista e Seu Tom.

  • Foto do escritor: Adorama
    Adorama
  • 2 de out.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 7 de out.


Colagem artística de uma silhueta humana feita de palavras de jornal, com ondas sonoras coloridas saindo de sua boca, representando a voz do cronista.


Olá, meus queridos e queridas amantes da palavra! Adorama por aqui, de volta ao nosso ateliê de escrita.

Se no nosso primeiro encontro definimos a alma da crônica e no segundo montamos seu esqueleto, hoje vamos dar a ela o sopro vital, aquilo que a torna única e inesquecível: a voz.

Você pode ter a observação mais genial do mundo (a alma) e a estrutura mais elegante (o esqueleto), mas se o seu texto não tiver uma voz própria, ele será como um pássaro perfeitamente montado que jamais canta. A voz do cronista é sua assinatura, sua impressão digital no universo. É a soma do seu jeito de olhar, de sentir e, principalmente, de traduzir tudo isso em palavras.

Mas como encontrar essa voz? Ela nasce pronta? Ou é algo que se constrói? A resposta, como sempre na boa literatura, é: um pouco dos dois. E para entendermos como essa mágica acontece, vamos espiar por cima dos ombros de dois mestres com vozes tão distintas quanto marcantes: o ironista social Luis Fernando Verissimo e o lírico sentimental Fernando Sabino.


O Tom Irônico e Crítico: A Risada Inteligente de Verissimo



Máquina de escrever em estilo retrô, com máscaras de comédia e tragédia nas teclas, simbolizando o humor e a ironia na escrita de Luis Fernando Verissimo.

A voz de um cronista é, antes de tudo, uma escolha de tom. E poucos dominam o tom do humor afiado como Verissimo. Sua voz não é a da gargalhada fácil; é a do sorriso de canto de boca, daquele que surge quando percebemos o absurdo escondido na normalidade. Ele usa a ironia como um bisturi para dissecar os costumes, as neuroses e as pequenas hipocrisias do nosso tempo.

Vamos analisar um trecho da crônica "A Bola", onde Verissimo expõe o conflito de gerações e a obsolescência do afeto simples em um mundo tecnológico. A cena é um diálogo (ou a falta dele) entre um pai, que presenteia o filho com uma bola, e o filho, que já possui um arsenal de gadgets eletrônicos e não sabe o que fazer com um objeto tão "primitivo". Preste atenção em como a voz do narrador-pai transita entre a ternura, a frustração e a ironia, revelando um abismo de comunicação.


O pai deu uma bola ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.
O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal”. Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.
— Como é que liga? — perguntou.
— Como, como é que liga? Não se liga.
O garoto procurou dentro do papel de embrulho.
— Não tem manual de instrução?
O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros.
— Não precisa manual de instrução.
— O que é que ela faz?
— Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.
— O quê?
— Controla, chuta...
— Ah, então é uma bola.
— Claro que é uma bola.
— Uma bola, bola. Uma bola mesmo.
— Você pensou que fosse o quê?
— Nada, não.

Percebem a genialidade? Verissimo não precisa de parágrafos descritivos. A voz é construída no diálogo seco, nas perguntas desconcertantes do filho ("Como é que liga?") e na resignação melancólica do pai ("os tempos são decididamente outros"). O humor nasce do choque entre dois universos. A crítica não é panfletária; ela está infiltrada na naturalidade de uma conversa impossível. A voz de Verissimo é essa: a que expõe o ridículo sem perder a ternura, a que critica sorrindo.

A voz de um autor é uma construção complexa de ritmo, vocabulário e, acima de tudo, perspectiva. É por isso que, em nossa abordagem holística na Letra & Ato, o diálogo sobre o tom do autor é um eixo central para garantir que a intenção e o efeito caminhem juntos, transformando um bom texto em uma obra com identidade.


O Tom Lírico e Confessional: A Conversa ao Pé do Ouvido de Sabino


Se Verissimo nos faz rir para pensar, Fernando Sabino nos convida a sentar ao seu lado para sentir. A voz de Sabino é a da memória, da amizade, do lirismo que brota dos encontros e das despedidas. Ler uma crônica dele é como ouvir um amigo contando um caso, com pausas, suspiros e uma intimidade que nos acolhe. Sua prosa tem a cadência da fala, um calor que transforma o leitor em confidente.

Para sentir essa voz, vamos a um trecho de "A última crônica", uma despedida que é, na verdade, uma celebração da própria vida e do ofício. O cronista se dirige a um amigo em um botequim para anunciar, de forma melancólica e poética, que aquela será sua última crônica. Note como o texto parece uma fala, com repetições e hesitações que criam um ritmo natural e confessional. Observe a simplicidade das imagens e a carga emocional que elas carregam.


A um amigo, em algum lugar, ou em lugar nenhum: perdoe-me a franqueza, mas não posso mais. Para você, que me lê, o que significa uma crônica a menos? Para mim, é o que me define: um homem que vai perdendo tudo, a começar pelos amigos, um por um, e que agora se despede do que lhe resta.
Chego ao fim de mim mesmo, e este é o meu único assunto. Não tenho outro. Tentei falar de amor, mas o amor, para mim, é uma palavra que se esgotou. Tentei falar de alegria, mas a alegria me soa como uma mentira.
Vou para casa. É tarde. Você, que me lê, sabe que é tarde. E a casa não é apenas o lugar onde se dorme. A casa é o que resta de nós, quando tudo o mais se foi.
A um amigo, eu diria: adeus. E não haveria mais nada a dizer. Porque o adeus já contém tudo: a saudade, a gratidão, a esperança de um reencontro que talvez não haja.
Mas a você, que me lê, o que posso dizer? Apenas isto: vou para casa. É tarde. E obrigado por tudo.

A voz de Sabino é construída nessa simplicidade que desconcerta. Frases como "Vou para casa. É tarde" são repetidas como um mantra, ganhando um peso existencial imenso. A interpelação direta ao leitor ("Para você, que me lê...") quebra qualquer distância, nos puxando para dentro daquela mesa de bar. Não há pirotecnia verbal, apenas a honestidade de um homem que se despe. Essa é a voz confessional: a que encontra a poesia universal na vulnerabilidade pessoal.


Reforço de Aprendizagem: Afinando o Seu Instrumento


  • Voz é Identidade: Antes de escrever, pergunte-se: qual é a minha perspectiva sobre este fato? Quero fazer rir, emocionar, indignar ou refletir?

  • Humor ou Lirismo? São dois caminhos poderosos. O humor de Verissimo nasce da observação crítica do outro. O lirismo de Sabino nasce da exploração do "eu". Qual deles te soa mais natural?

  • Estude os Mestres: Leia seus cronistas favoritos em voz alta. Tente sentir o ritmo, a "música" da prosa deles. Isso te ajudará a encontrar a sua própria melodia.

  • A Voz Está no Detalhe: A escolha de um adjetivo, a estrutura de uma frase, a decisão de usar um diálogo curto em vez de uma longa descrição. São essas microdecisões que, somadas, constroem um tom inconfundível.

A grande lição é que não existe voz "certa" ou "errada". Existe a sua voz. Verissimo e Sabino são faróis que nos mostram diferentes caminhos, mas a jornada, meu caro escritor e minha cara escritora, é inteiramente sua.



Quer Escrever Bem? Leia e Leia e Leia...

📚 Dica da Adorama: Doidas e Santas de Martha Medeiros

Martha Medeiros é uma das vozes mais potentes da crônica contemporânea. Este livro é um curso intensivo sobre como criar um tom confessional, direto e profundamente identificável. Ela prova que é possível falar das próprias angústias e, ao mesmo tempo, dialogar com a alma de milhares de leitores. Leitura essencial para quem busca uma voz moderna e corajosa.


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