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Universos Literários 2: Ação e Diálogo

  • Foto do escritor: Ana Amélia
    Ana Amélia
  • 2 de out.
  • 9 min de leitura


A Arte de Construir Universos Críveis

Curso:

Aula 2: Diálogo; Ação Explícita e Implícita



A Arte da Ação: O Segredo de McCarthy, Hemingway e Carver para Animar Sua Prosa


Olá, sobrevivente do bloqueio criativo!

Vamos começar a sujar as mãos. Se em nossa última aula definimos que a verossimilhança é o pacto de credibilidade que você faz com o leitor, hoje vamos falar sobre o motor que faz esse pacto andar: a Ação.

Pense na sua cena como um organismo. O cenário é o esqueleto, o diálogo é a voz, mas a Ação é o sistema nervoso. É o impulso que leva seu personagem a sair da cama, a levantar uma xícara, a cometer um assassinato. É onde o "Mostrar, Não Contar" faz flexões e mostra seus músculos. Um texto paralisado não é um pacto entre autor e leitor para a construção do universo literário, é um sonífero. Ninguém se engaja com uma história onde o protagonista não faz nada, o leitor se engaja com o que ele faz. A Ação é a manifestação da Intencionalidade Narrativa e, de uma ou outra ele deve estar no romance. Ela não é aleatória; é a força de causa e efeito que justifica a existência daquela cena no enredo, o que é fundamental para se criar um universos literários críveis. A grande piada é que essa Arte da Ação é muito mais complexa do que parece, dividindo-se: a Explícita (o soco), a no Diálogo (a facada verbal). Preparem-se para dissecar os mestres que fizeram da técnica a sua assinatura.


1. Ação Explícita: A Economia Brutal de Cormac McCarthy



Colagem Pop-Art de um personagem construído com verbos de ação, simbolizando o Motor da Cena.

A Ação Explícita é o movimento físico que move o enredo, mas não basta descrever a correria; é preciso que o ato físico revele o personagem e avance a história. O mestre de transformar isso em revelação de caráter é Cormac McCarthy, conhecido por sua prosa crua e despojada.

Vamos contextualizar para o leitor que não leu: a obra A Estrada narra a jornada de um pai e um filho em um mundo pós-apocalíptico e devastado. A verossimilhança aqui é construída pela disciplina da sobrevivência e pela economia de energia. Acompanhe a frieza cirúrgica do ato:


Ele acordou antes do dia e pegou os binóculos na mochila e se esgueirou até a beira da estrada para observar a trilha. Ele estava faminto, mas conseguiu comer pouco. Tinha febre. Ele puxou a lona sobre o garoto e se sentou com a arma no colo. Esperou até que ficasse um pouco mais claro e então começou. As latas de conservas. A sacola de pão. Ele as colocou no chão e se sentou. Não havia nada que pudesse comer. Ele deu as latas ao garoto. Ele olhou para ele. O garoto não parecia entender.
— Coma — disse ele.
O garoto abriu uma lata e comeu o conteúdo com os dedos. Ele se sentou e observou. Ele podia ver a estrada através da abertura na lona. Ninguém vinha.
Ele pôs a arma na mochila. A mochila nas costas. Levantou a lona e deslizou para fora do abrigo. Olhou para o garoto, que estava olhando para ele.
— Vamos embora — disse ele.

A dissecção do Ato:

  • McCarthy usa verbos curtos e diretos (acordou, pegou, esgueirou, esperou, colocou, olhou, deslizou). A lição é que cada verbo é uma unidade de movimento que avança a cena. Ele não usa esforçou-se para pegar ou qualquer construção parecida; ele simplesmente pegou. A sua história é mais forte quando você é avarento com os advérbios ou locuções adverbiais.

  • Ação Revela o Caráter: O homem está doente ("Tinha febre"), faminto, mas  a comida ao filho e observa. A ação de esperar (e não comer) é um ato de renúncia e proteção. A Ação Explícita é a prova irrefutável do amor paterno, sem que uma única frase sobre amor seja dita.



2. Ação no Diálogo: O Subtexto entre Hemingway e Carver


Pintura cubista surrealista: Palavras representadas por objetos duros (correntes, martelos) saindo de uma boca, ilustrando a Ação no Diálogo e o subtexto.

Passamos do movimento bruto, da ação que podemos ver e cronometrar – o caminhar, o esperar, o pegar na arma – para a Ação mais dissimulada e talvez mais perigosa: aquela que opera na arena verbal. O conflito mais devastador raramente é físico; ele acontece na intersecção entre o que se diz e o que se sente. Se a Ação Explícita é o motor da sobrevivência, a Ação no Diálogo é a arte da esgrima emocional. É onde as palavras agem como uma arma, uma defesa ou um véu.




Ernest Hemingway: O Iceberg e a Ação Contida


Hemingway é o mestre do "Teoria do Iceberg": sete oitavos do que você sabe sobre a história ficam submersos. O diálogo dele é seco, superficial, mas a tensão pulsa naquilo que os personagens se recusam a dizer.

No conto "O Frio e a Fúria", o diálogo é tenso, operando como uma cortina de fumaça para a crise do relacionamento. Note a negação da emoção na fala:


"É um copo de água, querida."
"Eu sei. Mas é gelado e me deixa tonta."
O homem olhou para o rio, onde o guia estava montado no cavalo.
"Está mais fria que o inferno. Você devia ir deitar. Não tem nada que possamos fazer."
"Tenho que me levantar. Eu te disse, não estou doente."
"Tudo bem."
Ele não a olhou.
"Você quer que eu vá embora?" ela perguntou.
"Não me importo com o que você faz."
"Não. Você não sabe. Mas eu não quero que você fique aqui se você vai falar esse tipo de coisa."

A Ação no Diálogo é a esgrima verbal. Eles trocam frases curtas sobre o clima e a saúde, mas a frase "Não me importo com o que você faz" é um soco na alma, uma ação de abandono dita com a frieza de uma constatação. O truque de Hemingway é fazer a briga (o motor) acontecer entre as falas.


Raymond Carver: O Diálogo Sujo e a Ação Banal


Carver, o mestre do minimalismo americano, pega o diálogo e o torna ainda mais banal, captando a forma imperfeita e repetitiva com que as pessoas falam na vida real. Nas suas histórias, o drama é frequentemente escondido sob a fachada de uma conversa cotidiana. O diálogo age aqui para sublinhar a solidão e a incomunicabilidade.


"Você quer que eu chame o doutor?"
"Não. Não quero."
"Talvez você devesse. Quer que eu faça um sanduíche de queijo para você?"
"Não, obrigado. Estou bem. Só um pouco cansado."
"Por que você não tira a roupa e deita na cama?"
"Não, não quero. Eu disse que estou bem."
Ele se levantou e foi até a janela. Olhou para a rua.
"O que você está olhando?" ela perguntou.
"Nada. Só olhando."
Ele não se virou.
"Você devia ligar para a sua mãe", ela disse.
"Eu sei. Vou ligar."

Neste trecho de Carver, a Ação no Diálogo é a incapacidade de se conectar. A repetição e a fuga do assunto ("Só olhando") agem como um mecanismo de defesa que, de tão real, torna a cena terrivelmente crível.


3. Ação Implícita: O Terremoto Silencioso de Clarice Lispector


Se a Ação Explícita é o corpo e a Ação no Diálogo é a mente, a Ação Implícita é a alma assombrada da sua narrativa. É o fantasma na máquina. É a poeira que se assenta depois da explosão que nunca vimos. É a arte de mostrar o resultado para que o leitor, com seu próprio repertório de medos e desejos, construa o evento em sua imaginação.

Este tipo de ação é o mais sutil e, arrisco dizer, o mais poderoso. Ele não descreve o que aconteceu; ele apresenta a cena do crime. A porta arrombada, o vaso quebrado, o silêncio pesado onde antes havia uma conversa. A ação ocorreu no off-stage, e o que temos no palco são suas consequências devastadoras. E ninguém, absolutamente ninguém, mapeou melhor os tremores de terra da alma humana através de seus estragos na superfície do que Clarice Lispector.

Para Clarice, a verdadeira ação não é o movimento, mas a epifania, a súbita e violenta tomada de consciência que estilhaça a realidade. Em seu conto "Amor", a protagonista Ana vive uma vida metódica e controlada, até que um vislumbre no Jardim Botânico a joga num abismo existencial. A "ação" é esse colapso interno. Mas como mostrar isso sem um monólogo clichê? Clarice nos mostra os destroços. Veja o que acontece quando Ana, atordoada, entra no bonde para voltar para casa:


O bonde deu um solavanco e partiu. Ana segurou-se, sobressaltada. Foi então que olhou e viu que esquecera o saco de tricô no banco. Mas antes que pudesse se decidir, o bonde deu um puxão para a frente e em seguida, com um rangido longo e suave, estacou. Tarde demais. Sentia-se pesada, os braços grossos. Desceu do bonde. Caminhou um pouco, ombros curvados. De repente, como se tivesse levado um encontrão, empertigou-se e olhou em redor. Foi então que viu o Jardim Botânico. E então, como quem se havia afinal excedido em doçura, ela deixou cair a rede de compras. Os ovos se quebraram na calçada. Amarelos e brancos, escorreram entre os caroços das batatas íntegras. As batatas rolaram, redondas, empoeiradas, mudas. Os tomates se partiram, a polpa vermelha jorrando.

A dissecção do Ato:

A verdadeira catástrofe aqui não são os ovos quebrados. Isso é apenas a consequência, o sintoma visível da doença. A Ação Implícita foi o terremoto psicológico que Ana sofreu momentos antes. O ato de "deixar cair a rede de compras" não é um simples acidente; é uma rendição. É a manifestação física de um colapso interno.

Clarice não precisa dizer: "E então, Ana percebeu que sua vida era uma farsa e seu mundo ruiu". Que preguiça! Em vez disso, ela nos dá a imagem concreta e sensorial dos ovos escorrendo e das batatas rolando. A desordem externa espelha a desordem interna. A visão daquela pequena sujeira na calçada — amarela, branca, vermelha — é a prova irrefutável da ruína de uma vida perfeitamente organizada. O leitor não lê sobre a crise; ele a  nos tomates espatifados. Esse é o truque: usar um evento físico trivial para implicar um cataclismo emocional monumental.


Algumas Dicas:


Ação Explícita:

  • Verbo Forte: Substitua um verbo fraco acompanhado de advérbio (ex: "ele correu rapidamente") por um verbo forte e específico (ex: "ele disparou", "ele arrancou").

  • Economia Verbal: Corte toda ação que o leitor já presume. Se a ação física não avança o enredo ou revela caráter, ela é gordura.


Ação no Diálogo:

  • Subtexto: Seu diálogo deve ser a ponta do Iceberg. A questão ou a grande revelação não deve ser dita na superfície, mas sim insinuada através de frases banais ou ações de contenção ("Ele não a olhou", "Ela continuou a tricotar").

  • Incomunicabilidade e Descontinuidade: Nem tudo precisa ser respondido. Use o silêncio, as quebras para reconstruir a fragmentação, a repetição e incapacidade de ouvir ou falar (o truque de Carver).

Ação Implícita:

  • Foco na Consequência: Em vez de mostrar a briga, mostre o apartamento revirado na manhã seguinte. Em vez de narrar a traição, mostre o personagem encontrando um ingresso de cinema no bolso do casaco do parceiro — para um filme que eles não viram juntos. O poder está na descoberta e na dedução que o leitor é forçado a fazer.

  • Use o Fora de Cena: O que acontece atrás da porta fechada é sempre mais potente. Um som abafado, um silêncio súbito, um personagem que entra em cena pálido e tremendo. Deixe o leitor preencher essa lacuna com a própria imaginação. É mais eficaz e, convenhamos, dá bem menos trabalho para você.


Seu Motor Está Falhando?


Depois de ver os mestres, você percebeu que a Ação é o grande revelador de inconsistências. Seus verbos estão fracos? Seu diálogo está explicando demais? Seu silêncio é só vácuo, e não tensão?

Na Letra & Ato, nosso método de revisão dialogal é uma abordagem holística no eixo autor-texto-leitor, focada em compreensão, reconhecimento e apoio. Nós entramos na revisão de estilo e na revisão estrutural justamente para buscar esses pontos: para eliminar o que chamamos de "verbos mortos" e potencializar a sua Ação Implícita, garantindo que o seu texto avance com a disciplina de um McCarthy e a profundidade de um Hemingway. Seu universo precisa de um motor potente para ser crível.


Quer Escrever Bem? Leia e Leia e Leia...

📚A Estante de Ana: O Som e a Fúria de William Faulkner

Se você gostou da dissecção da Ação, mergulhe no labirinto da consciência e da não-ação de Faulkner. Um clássico sobre a desintegração de uma família, onde a Ação Implícita da memória e do pensamento fragmentado é o verdadeiro motor da tragédia.


☕Vamos Conversar?


Se você se sentiu exposto ao descobrir que suas frases declarativas e diálogos cotidianos podem estar matando a tensão do seu texto, relaxe. Todo autor precisa de um olhar externo.

O seu texto tem um potencial imenso, e nosso trabalho é ajudar a lapidá-lo, transformando cada frase em uma ação deliberada. Acreditamos no seu potencial e no poder do seu universo narrativo. O nosso pacote de serviços, que inclui Revisão Gramatical, de Estilo, Estrutural e Análise Dialogal, Diagramação e Assessoria de Registro/ISBN, está pronto para começar essa conversa.

Para começar, que tal uma amostra gratuita da nossa revisão em um trecho do seu texto? Vamos juntos dar um upgrade no motor da sua cena.


A técnica é o andaime; o verbo é o martelo. Não erre a pancada.

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