top of page

Hemingway: Mostrar ou Contar

  • Foto do escritor: ReVisão Dialogal
    ReVisão Dialogal
  • 7 de mai.
  • 10 min de leitura

Atualizado: 13 de mai.

CONTO | MOSTRAR OU CONTAR | CENA | AMBIENTAÇÃO | BANALIDADE


A Paris do início do século XX foi fundamental para a consolidação e refinamentodo estilo de Hemingway junto à "Geração Perdida", formado por figuras como Gertrude Stein, Ezra Pound e F. Scott Fitzgeral.

Foi nesse ambiente que ele desenvolveu a Teoria do Iceberg, também conhecida como teoria da omissão. A ideia é que na escrita, é melhor apresentar apenas a superfície da história – diálogos, ações, descrições objetivas – deixando a maior parte do significado, das emoções e do contexto implícitos, para o leitor inferir. Hemingway acreditava que omitir o que se sabia, desde que se soubesse o suficiente, fortalecia a narrativa. Ele articulou formalmente essa teoria em seu livro "Morte ao Meio-Dia" (Death in the Afternoon), de 1932, mas já a aplicava consistentemente em contos escritos em Paris e nos anos imediatamente seguintes, como no célebre "Colinas Como Elefantes Brancos", publicado em 1927 — você poder ler neste post —, um exemplo clássico de como o essencial do conflito e dos sentimentos está subentendido nas entrelinhas do diálogo.

Na superfície, o conto apresenta um casal que espera um trem em uma estação numa paisagem árida e ensolarada. A narrativa se desenvolve a partir de um diálogo direto, onde o Americano tentar convencer Jig que o procedimento a que se refere é bem simples e sem risco. Enquanto isso, a mulher faz comentários sobre o ambiente; em certo momento, ela observa as colinas do local e as compara a "elefantes brancos", uma metafóra para incômodo. Esses elementos fornecem ao leitor um cenário claro: uma conversa aparentemente trivial, que menciona uma decisão importante e usa o ambiente como pano de fundo, sem detalhar os sentimentos internos ou os motivos pessoais dos personagens. Hemingway nos dá apenas o mínimo na superfície – o diálogo direto, a descrição objetiva. Mas é a vasta "massa" de emoções não ditas, conflitos não resolvidos e significados simbólicos escondidos sob essa superfície que dá à história sua profundidade, tensão e impacto duradouro. O leitor é forçado a "ler nas entrelinhas", a inferir o que está acontecendo com base nas poucas pistas visíveis, construindo assim uma experiência de leitura muito mais envolvente e poderosa.



 


 Colinas Como Elefantes Brancos 



elefante branco

As montanhas além do vale do Ebro eram longas e brancas. Nesse lado não havia sombra e não havia árvores e a estação era ao sol entre dois trilhos de trem. Perto da estação havia uma sombra cálida de um prédio e uma cortina, feita de cordas com miçangas de bambu, penduradas na porta que dava para o bar, para manter as moscas fora. O americano e a garota com ele estavam numa mesa à sombra, fora da construção. Estava muito quente e o expresso de Barcelona chegaria em quarenta minutos. Ele parava nessa estação por dois minutos e seguia para Madri.

— O que vamos beber? — a garota perguntou. Ela tinha tirado seu chapéu e posto ele na mesa.

— Está bem quente — o homem disse.

— Vamos beber cerveja.

Dos cervejas — o homem disse pela cortina.

— Grandes? — a mulher perguntou da porta.

— Sim. Duas grandes.

A mulher trouxe dois copos de cerveja e dois descansos de feltro. Ela pôs os descansos de feltro e as cervejas na mesa e olhou para o homem e a garota. A garota olhava o contorno das montanhas. Elas eram brancas no sol e o campo era marrom e seco.

— Elas parecem elefantes brancos — ela disse.

— Nunca vi um — o homem bebeu sua cerveja.

— É claro que não.

— Eu poderia ter visto — o homem disse. — Só porque você diz que eu não teria não prova nada.

A garota olhou para a cortina de miçangas. — Pintaram alguma coisa nela. O que quer dizer?

— Anis del Toro. É uma bebida.

— Podemos experimentar?

O homem chamou "Ei" pela cortina. A mulher saiu do bar.

Quatro reales.

— Queremos dois Anis del Toro.

— Com água?

— Você quer com água?

— Não sei — disse a garota. — Fica bom com água?

— Fica legal.

— Vão querer com água? — perguntou a mulher.

— Sim, com água.

— Tem gosto de licor — a garota disse e descansou o copo.

— Tudo tem gosto de licor.

— É — disse a garota. — Tudo tem gosto de licor. Ainda mais aquilo que você esperou por muito tempo, como absinto.

— Ah, deixa disso.

— Você começou — a garota disse. Estava tudo ótimo. Eu estava me divertindo.

— Tá, vamos tentar nos divertir.

— Tá bem. Eu estava tentando. Eu disse que as montanhas pareciam elefantes brancos. Não foi genial?

— Foi genial.

— Eu queria provar essa nova bebida. Isso é tudo que fazemos, não é — olhar para as coisas e provar novas bebidas?

— Acho que sim.

A garota olhou para as montanhas.

— Elas são montanhas lindas — ela disse. — Elas não parecem elefantes brancos de verdade. Eu só estava falado da cor da pele delas atrás das árvores.

— Quer outra bebida?

— Pode ser.

O vento cálido soprou a cortina de miçangas contra a mesa.

— A cerveja está boa e gelada — o homem disse.

— Está ótima — a garota disse.

— É mesmo uma operação muito fácil, Jig — o homem disse. — Não dá nem para chamar de operação.

A garota olhou para o chão onde as pernas da mesa repousavam.

— Eu sei que você não vai se incomodar, Jig. Não é nada demais. É só para deixar o ar entrar.

A garota não disse nada.

— Eu vou entrar com você e vou estar com você o tempo todo. Eles só deixam o ar entrar e aí é tudo bem natural.

— E aí o que a gente faz depois?

— Depois a gente fica bem. Do jeito que estava antes.

— Por que você acha isso?

— É a única coisa que está nos incomodando. É a única coisa que está deixando a gente triste.

A garota olhou a cortina de miçangas, esticou o braço e segurou duas das cordas de miçangas.

— E você acha que vai ficar tudo lindo e maravilhoso?

— Eu sei que sim. Não precisa ter medo. Eu conheço um monte de gente que já fez isso.

— Eu também — disse a garota. — E depois eles todos ficaram tão felizes.

— Olha — o homem disse —, se você não quiser você não precisa fazer. Eu não vou te obrigar se você não quiser. Mas eu sei que é bem fácil.

— E você quer mesmo fazer?

— Acho que é o melhor a se fazer. Mas eu não quero que você faça se você não quiser.

— E se eu fizer você vai ficar feliz e as coisas vão ser como antes e você vai voltar a me amar?

— Eu já te amo agora. Você sabe que eu te amo.

— Eu sei. Mas se eu fizer, vai ser legal de novo quando eu disser que as coisas são como elefantes brancos, você vai gostar?

— Eu vou amar. Eu já amo agora mas não consigo pensar nisso. Você sabe como eu fico quando estou preocupado.

— Se eu fizer isso você não vai ficar preocupado?

— Não vou ficar preocupado porque é bem fácil.

— Então vou fazer. Porque eu não me importo comigo.

— Como assim?

— Eu não me importo comigo.

— Mas eu me importo com você.

— Eu acredito. Mas eu não me importo comigo. E eu vou fazer isso e tudo vai ficar bem.

— Eu não quero que você faça isso se você se sente assim.

A garota se levantou e andou até o fim da estação. Do outro lado, tinha campos de cereais e árvores seguindo as margens do Ebro. Lá longe, além do rio, tinha montanhas. A sombra de uma nuvem se movia pelo campo de cereais e a garota viu o rio atrás das árvores.

— Isso tudo podia ser nosso — ela disse. — E a gente podia ter tudo e cada dia a gente torna isso mais impossível.

— O que você disse?

— Eu disse que a gente podia ter tudo.

— Não, a gente não pode.

— A gente pode ter o mundo todo.

— Não, a gente não pode.

— A gente pode ir a qualquer lugar.

— Não, a gente não pode. Isso não é mais nosso.

— É nosso.

— Não, não é. E depois que eles tirarem, ele nunca mais volta.

— Mas eles não tiraram ele.

— Vamos ver.

— Volta para a sombra — ele disse. — Você não devia se sentir assim.

— Eu não estou sentindo nada — a garota disse. — Eu só sei das coisas.

— Eu não quero que você faça nada que você não queira —

— Nem isso não é bom para mim — ela disse. — Eu sei. A gente pode tomar mais uma cerveja?

— Está bem. Mas você precisa entender —

— Eu entendo — a garota disse. — A gente não pode quem sabe calar a boca?

Eles sentaram na mesa e a garota olhou as montanhas no lado seco do vale e o homem olhou para ela na mesa.

— Você precisa entender — ele disse —, que eu não quero que você faça isso se você não quiser. Eu estou disposto a ir em frente se isso significa alguma coisa para você.

— Não significa nada para você? A gente podia se acertar.

— É claro que sim. Mas eu não quero ninguém além de você. Eu não quero mais ninguém. E eu sei que é bem fácil.

— É, você sabe que é bem fácil.

— Tudo bem você dizer isso, mas eu sei.

— Você me faz um favor agora?

— Faço qualquer coisa por você.

— Você pode por favor por favor por favor por favor por favor por favor por favor calar a boca?

Ele não disse nada mas olhou as malas contra a parede da estação. Elas tinham etiquetas de todos os hotéis nos quais dormiram.

— Mas eu não quero que você faça — ele disse —, eu não me importo com isso.

— Eu vou gritar — a garota disse.

A mulher chegou pelas cortinas com dois copos de cerveja e pôs elas nos dois descansos de feltro úmidos. — O trem chega em cinco minutos — ela disse.

— O que ela disse? — perguntou a garota.

— Que o trem chega em cinco minutos.

A garota abriu um sorriso encantador para a mulher, para lhe agradecer.

— Melhor eu pegar as malas no outro lado da estação — o homem disse. Ela sorriu para ele.

— Está bem. Depois volta para a gente terminar a cerveja.

Ele pegou as duas malas pesadas e deu a volta com elas pela estação até os outros trilhos. Ele olhou os trilhos mas não viu nenhum trem. Na volta, ele atravessou o bar, onde as pessoas esperando o trem bebiam. Ele bebeu um Anis no bar e olhou as pessoas. Elas esperavam sensatamente o trem. Ele saiu pelas cortinas de miçangas. Ela estava sentada na mesa e sorriu para ele.

— Você está melhor? — ele perguntou.

— Estou bem — ela disse. — Não tem nada de errado comigo. Estou bem.


Título original: Hills Like White Elephants




Análise


A Ponta do Iceberg (O Visível e Explícito): a descrição simples do cenário (estação, sol, calor, carris, rio Ebro, campo seco); o diálogo aparentemente trivial sobre as colinas e a comparação com elefantes brancos; a sugestão de que estão pedindo bebidas; o fato de haver uma tensão perceptível na conversa ("Eu queria que você deixasse isso para lá").


A Parte Submersa (O Implícito e Oculto):

1. O conflito central: O diálogo sobre as "colinas como elefantes brancos" e o desconforto do homem em relação a isso não é sobre paisagens. "Elefante branco" é algo indesejado, problemático, caro de manter e difícil de se livrar. A conversa aparentemente é inocente, mas expressa ausência. Todo mundo sabe que o assunto principal está ausente, não é contado, o leitor deve desvênda-lo. Isso gera engajamento do leitor.

2. Em relação às emoções e motivações, Jig expressa incerteza, melancolia e talvez um desejo não verbalizado de manter a gravidez, testando a reação do Americano com a metáfora. O homem demonstra impaciência, desejo de resolver a situação rapidamente (o "procedimento") para voltar à sua vida anterior, e uma tentativa de minimizar a seriedade do assunto. Seus sentimentos profundos (medo, arrependimento, pressão social, etc.) não são nomeados, apenas inferidos pela forma como falam e agem.;

3. A tensão subjacente ao relacionamento revela uma crise, possivelmente dependendo do resultado da decisão de Jig. A aparente desconexão na conversa sobre um tema que parece ser importante mostra a falha na comunicação entre eles.

4. O ambiente seco e estéril simboliza a própria situação deles – uma escolha que pode levar à falta de "vida" ou crescimento futuro para o relacionamento ou para Jig.


Você descobriu o tema submerso da conversa? Em que pensou?


O fato sobre o qual eles conversavam era o aborto de Jig, – "só para deixar o ar entrar.". Essa era uma técnica caseira e perigosa no período.

Mas a questão é a seguinte: faz diferença? O tema é crise do casal, a impossibilidade de comunicação, o machismo escamoteado do Americano através da chantagem emocional,


Em resumo:


  • A maior parte do significado e da emoção permanece oculta, submersa sob a superfície do texto.

  • Essa técnica enfatiza a economia de palavras, onde menos é mais.

  • Detalhes essenciais são apresentados, mas os outros são deixados para a interpretação do leitor. Hemingway acreditava que o que não é dito explicitamente enriquece a obra.

  • O leitor participa ativamente, completando a história com sua própria imaginação.

  • Cada elemento apresentado é cuidadosamente selecionado para evocar profundidade e nuance.

  • A narrativa é multifacetada, permitindo múltiplas interpretações e significados. Assim, o texto ganha uma camada adicional de emoção e complexidade implícita.

  • Em essência, a teoria valoriza o poder da sugestão e a força do subentendido na escrita


Escrita criativa: Mostrar ou Contar


Mostrar ou contar é tema FUNDAMENTAL da escrita criativa, trata-se de uma oposição entre discurso denotativo e conotativo. Nesse conto, Hemingway nos ensina, como um mestre, a mostrar.

  • Mostrar é quando o autor apresenta cenas, ações, diálogos, detalhes sensoriais e, dependendo do ponto de vista, pensamentos internos que permitem ao leitor inferir ou experimentar os fatos, emoções ou características por si mesmo. O leitor "vê" a situação se desenrolar através dos sentidos e ações.

  • Contar é quando o narrador ou o autor informa diretamente o leitor sobre algo. Ele resume fatos, descreve emoções de forma explícita, ou declara características de personagens ou situações sem necessariamente mostrá-las em ação: "João estava muito triste. Ele não conseguia parar de pensar na briga que teve com seu amigo."

Construção da Cena


a construir


Ambientação


Estilo narrativo

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page