Subtexto na Escrita: Lições de Hemingway e Updike Para Evitar o "Ponto Cego"
- Ana Amélia

- 18 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 1 de out.

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Peguem seus uísques e preparem os punhos, porque hoje o ringue do blog vai receber dois pesos-pesados da infame "literatura de macho" americana. Mas calma, não vamos falar de quem bebia mais ou pescava o maior peixe ou tinha a maior vara. 😉 Vamos usar esse duelo para dissecar um dos problemas mais traiçoeiros da ficção: o "ponto cego".
Sabe quando você, autor, tem uma cena claríssima na cabeça, cheia de nuances e tensões, mas o leitor fica com cara de interrogação? Isso é o ponto cego. É quando sua frase, que para você é um mapa do tesouro, para o leitor vira um segredo trancado a sete chaves. A minha tese, caros colegas de ofício, é que o ponto cego nasce de um mau uso do subtexto na escrita.
Para provar, vamos ao combate: de um lado, o mestre do minimalismo, Ernest Hemingway; do outro, o mestre do maximalismo, John Updike.

Round 1: Hemingway e a Força do que Não se Diz
Hemingway é o pai da "Teoria do Iceberg". Para ele, a prosa de ficção ganha sua dignidade e força pelo que ela omite. O escritor deve saber a história toda, mas só mostrar a ponta do iceberg. O peso, a emoção, está nos 7/8 que ficam submersos. Isso é subtexto na escrita em sua forma mais pura.
O melhor exemplo é o conto "Hills Like White Elephants", que é basicamente um diálogo de 5 páginas entre um casal numa estação de trem. A palavra "aborto" nunca é dita, mas a conversa inteira é sobre isso. Veja um trecho:
A mulher trouxe dois copos de cerveja e dois descansos de feltro. Ela pôs os descansos de feltro e as cervejas na mesa e olhou para o homem e a garota. A garota olhava o contorno das montanhas. Elas eram brancas no sol e o campo era marrom e seco. — Elas parecem elefantes brancos — ela disse. — Nunca vi um — o homem bebeu sua cerveja. — É claro que não. — Eu poderia ter visto — o homem disse. — Só porque você diz que eu não teria não prova nada. A garota olhou para a cortina de miçangas. — Pintaram alguma coisa nela. O que quer dizer? — Anis del Toro. É uma bebida. — Podemos experimentar? O homem chamou "Ei" pela cortina. A mulher saiu do bar. — Quatro reales. — Queremos dois Anis del Toro.
Autópsia do Round:
Desvio e Tensão: Eles falam de elefantes brancos, de bebidas, de cortinas. De tudo, menos do "elefante na sala". Essa recusa em nomear o problema cria uma tensão quase insuportável.
Diálogo como Ação: As frases curtas e as respostas atravessadas revelam a dinâmica de poder e a distância emocional entre eles. Ele é pragmático e controlador ("Pode deixar"), ela é vacilante e busca escape (a bebida, a paisagem).
Como ele evita o ponto cego? Hemingway nos dá pistas. A paisagem dividida (seca de um lado, fértil do outro), a insistência dele de que a "operação" é simples, a angústia dela. Ele não tranca a porta, ele nos mostra onde a chave está escondida.

Round 2: Updike e a Força do que se Vê
Se Hemingway esculpia com um cinzel, John Updike pintava com um pincel de mil cerdas. Ele é o cronista da América suburbana, do homem de classe média em crise. Para ele, a revelação não está no que se omite, mas no que se descreve com uma precisão lírica e obsessiva.
Em Rabbit, Run (Corre, Coelho), ele descreve a angústia de seu protagonista, Harry "Rabbit" Angstrom, não pelo que Harry deixa de dizer, mas pela forma como ele vê o mundo.
Ele para no meio do quarteirão, sob o brilho de um poste de luz que parece zumbir, e olha para a vitrine de uma loja de artigos esportivos. A única luz lá dentro é um brilho azulado de um aquário onde peixes tropicais verdes, com um brilho oleoso, nadam para frente e para trás em seu pequeno oceano de vidro. Uma bola de basquete, gasta até a suavidade do couro de luva, repousa num pedestal de arame, como um planeta sem vida. Ele se vê refletido no vidro, um rosto pálido e comprido flutuando acima dos manequins de uniforme. Aquele rosto não parece o seu.
Autópsia do Round:
Clareza Maximalista: Updike não diz "Rabbit se sentia preso e alienado". Ele nos mostra os peixes num aquário, a bola de basquete (símbolo de sua glória passada) parada como um planeta morto, o reflexo que ele não reconhece.
O Detalhe como Psicologia: A prosa é caudalosa, cheia de adjetivos e descrições sensoriais ("brilho oleoso", "suavidade do couro de luva"). Cada detalhe do mundo exterior é um espelho do estado interior do personagem.
Como ele evita o ponto cego? Pela curadoria. Cada detalhe descrito tem um propósito: construir a prisão psicológica de Rabbit. Ele não descreve a loja inteira; ele descreve os objetos que ecoam a alma do personagem. A clareza dele não é ruído, é um holofote.
O Veredito do Juiz
Ambos vencem. Ambos são mestres em evitar o ponto cego, mas com estratégias opostas. Hemingway usa o subtexto na escrita para revelar a angústia do homem de ação, que não sabe falar de sentimentos. Updike usa a clareza descritiva para revelar a angústia do homem de inação, que se perde em seus pensamentos.
A lição é esta: não importa se seu estilo é minimalista ou maximalista. O ponto cego acontece quando seu subtexto não deixa pistas ou quando sua clareza não tem propósito.
☕Vamos Conversar?
Você olhou para o ringue e viu os dois campeões. Agora, olhe para o seu texto. Ele luta como Hemingway, com jabs curtos e subentendidos? Ou como Updike, com um fluxo constante de golpes descritivos? Mais importante: seus golpes estão acertando o alvo ou apenas cortando o ar, deixando o leitor sem entender a luta?
Transformar uma frase-segredo em uma frase-sugestão é o trabalho fino do escritor. É um ajuste de foco, de intenção. E, às vezes, ter um sparring (um leitor-crítico) para te dizer onde a sua guarda está baixa faz toda a diferença.
Vamos começar esse treino? Envie um trecho do seu texto. Faremos uma análise gratuita, nosso primeiro round, para mostrar como podemos ajudar a dar mais impacto aos seus golpes, seja revelando ou escondendo.
No fim, não importa se você luta com jabs curtos ou com longos floreios. O nocaute só vem quando cada golpe tem uma intenção clara.

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