Crônicas 1: O Que é uma Crônica?
- Adorama

- 29 de ago.
- 5 min de leitura
Atualizado: 2 de out.
O Que é uma Crônica?

Olá, meus amigos escritores! Estou feliz em chegar a casa nova e poder dialogar com vocês. Eu sou Adorama e escrevei, às sextas-feiras, como convidada especial no blog da Letra & Ato. Como quem manda por aqui são vocês, chegou a hora de mudar de marcha e encarar um dos gêneros mais queridos (e, sejamos honestos, também um dos mais intrigantes para quem está começando): a crônica.
Atendendo aos pedidos por um guia prático sobre como construir uma boa crônica, decidi aceitar o desafio e preparar uma série especial sobre o tema. E, como todo bom começo exige clareza, vamos partir da pergunta que parece simples, mas já fez muita gente coçar a cabeça: afinal, o que é uma crônica?
A Crônica: Nem Reportagem, Nem Conto, Muito Pelo Contrário!
Se a literatura fosse uma festa de família, o Romance seria aquele tio que fala por horas, contando uma saga épica. O Conto seria o primo conciso, que chega, conta uma história com começo, meio e fim, e vai embora. E a Crônica? Ah, a crônica seria aquela tia espirituosa que se senta ao seu lado, aponta para uma mosca pousada no bolo e, a partir dali, tece uma reflexão genial sobre a efemeridade da vida, a beleza do acaso ou a receita de pudim da avó dela.
A crônica é um texto que nasce do cotidiano. Ela é filha do jornal, neta da observação. Sua matéria-prima não são grandes eventos, mas sim os pequenos acontecimentos que, para um olhar desatento, passariam batido. Uma conversa ouvida no ônibus, a maneira como a luz do sol corta a poeira da sala, a memória de um sabor de infância, a indignação com um buraco na rua.
Diferente da reportagem, ela não tem compromisso com a objetividade. Pelo contrário, a alma da crônica é a subjetividade, o olhar único e intransferível do cronista. Diferente do conto, ela não precisa necessariamente de um enredo fechado, com clímax e desfecho. Muitas vezes, a crônica é uma conversa, um devaneio, uma reflexão em voz alta.
A Prova dos Nove: Clarice Lispector e a Arte de Achar o Universo numa Casca de Noz
Falar é fácil, eu sei. "Seja subjetivo", "escreva sobre o cotidiano". Parece vago, né? É por isso que eu sempre digo: para entender uma técnica, a gente precisa ver o mestre em ação. E quando o assunto é crônica, uma das maiores mestras que já caminharam sobre a Terra foi Clarice Lispector.
Ela pegava o banal e o transformava num evento cósmico. Para provar, vamos dissecar um trecho de uma de suas crônicas mais belas, "O Primeiro Beijo". Ela narra a simplicidade de um beijo roubado na juventude.
Os dois mais se olharam do que se falaram, tocados pela mudez que lhes subia do coração. Na praça deserta as árvores eram altas e muito verdes. A relva era de um verde que ardia nos olhos. O sol já se fora mas o calor do dia ainda estava na terra e nas coisas. Os dois eram um só ser. E foi então que, na praça deserta, eles se beijaram. Um beijo longo, interminável. O tempo que durou, o mundo não o sabe. Ninguém sabe, nem mesmo eles souberam. O tempo, este, sim, o sabia. E o guardou avaro em sua memória que não acaba. Fora um beijo sem qualquer antecedente, um beijo que nascia naquele instante, nascia do escuro, feito uma planta. Nascia da terra, da água, do fogo e do ar. Era um beijo de quatro elementos. Um beijo intocado, que não fora sequer pensado. Um beijo que era tão somente um beijo. E era de amor. Amor com o que não se entende. Só se sabe que era de amor. Amor que não se troca, não se pede, não se dá. Amor que nasce e morre a cada instante. Amor pelo desconhecido. Depois do beijo, eles não se falaram. Apenas se olharam, a boca ainda úmida. Separaram-se. Ele para o seu lado, ela para o seu. Mas no ar que os rodeava ficara a lembrança do beijo, como uma estátua invisível. E na terra que eles pisavam, o beijo para sempre se gravou.
A Mágica de Clarice (e a sua, no futuro)
Viram só? Vamos analisar a crônica:
Ponto de Partida Banal: Dois jovens se beijando numa praça. Poderia ser uma nota de rodapé em qualquer história.
O Olhar do Cronista: Clarice não se contenta com o fato. Ela mergulha na sensação. O beijo deixa de ser um ato físico para se tornar um evento metafísico. Expressões como "amor com o que não se entende", "beijo de quatro elementos", "estátua invisível" são puro suco de crônica.
Conversa com o Leitor: Ela nos puxa para dentro da cena. O tempo "guardou avaro em sua memória". Ela não está apenas contando, está confidenciando, filosofando a partir do evento.
Ausência de Trama: O que acontece depois? Quem são eles? Importa? Não. A crônica se basta no instante, na reflexão que aquele momento provocou. O "plot" é a própria descoberta poética.
Em resumo, meu caro e a escritor: uma crônica é um retrato da alma de um instante. É a sua capacidade de olhar para o mundo, parar e dizer: "espera um pouco, tem algo aqui".
Então, a lição de casa de hoje é simples: olhe. Apenas olhe. Para a sua xícara de café, para o cachorro do vizinho, para a sua própria impaciência na fila do banco. Anote o que sentir. Sem a pressão de criar uma história, apenas o compromisso de registrar um olhar.
No nosso próximo post, vamos falar sobre a estrutura (ou a falta dela) na crônica. Como organizar essas ideias para que elas não virem só um diário perdido?
Fiquem ligados e, até lá, boas observações!
O Convite ao Diálogo
Você já encontrou a sua voz de cronista, mas não tem certeza se ela está ressoando como deveria? A emoção que você quer passar está chegando ao leitor com a intensidade que você planejou? Deixe-nos ajudá-lo com uma conversa. Antes de se comprometer com um processo completo, que tal começar a conversa com um teste de precisão? Envie-nos um trecho do seu texto. Faremos uma amostra gratuita da nossa revisão comentada. É a nossa forma de mostrar o poder do diálogo na construção de sua voz própria.
Adorama
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