Quer Ser um Escritor Original? Tenha seu Blog Privado!
- Paulo André

- 16 de jun.
- 6 min de leitura

Eu confesso que tenho outro blog que escrevo há décadas, mas que é inacessível. Nele estão desde minha experiência de vida, leituras "filosóficas", meus textos e diversos truques para simplificar a vida de um escritor. É minha memória exterior, meu banco de dados. Muito que uso neste blog, vem desse outro blog e foram escrita há décadas.
Por Que Todo Escritor Precisa de um "Blog" Privado para desenvolver a Originalidade?
A originalidade não é um raio que cai do céu, mas o fruto do pensamento transversal. Em vez de seguir caminhos óbvios dentro de uma única área, a inovação surge ao conectar ideias de campos distintos. Essa habilidade de cruzar fronteiras do conhecimento revela novas perspectivas e soluções verdadeiramente inéditas, transformando o familiar em algo surpreendente. Mas como cultivar essa transversalidade? A resposta pode estar na criação de uma memória exterior: o blog privado do escritor
Tenha um Registro Confiável de Suas Referências Literárias e Culturais
Creio que é sempre melhor dedicar mais tempo à escrita e ao aperfeiçoamento do texto do que à pesquisa. Mas a pesquisa é fundamental para um escritor! Não há dúvidas quanto a isso, mas ela pode ser feita em um tempo diferente:
Quando estiver lendo um livro, assistindo a um vídeo interessante de um filósofo no YouTube, ou lendo uma notícia na imprensa, aproveite para anotar o que lhe chamou a atenção. Isso pode ser tanto em relação às técnicas de escrita quanto ao conteúdo. Tudo isso pode virar material e, certamente, lhe fornecerá um amplo repertório cultural e intelectual.
Aproveite Seu Blog para Fazer uma Coleção de Personagens, Cenas, Dialógos, etc. que vivenciou.
Para usar aonde? Realmente eu não sei. Mas se você tiver um bom início de cena, você vai achar onde usá-lo. Assim como um bom personagem.
Vou citar uma etapa de meu próprio processo criativo como exemplo:
Há alguns anos, vi um senhor saindo do Banco Bradesco de Limeira (daquela agência em frente à praça central) vestindo um terno marrom com colete e gravata de corte impecável, mas de alguma forma, deslocado no tempo. Ele representava uma quebra na linha temporal. Não era daquela época. De onde veio aquele idoso? Para onde irá? De toda forma, é um ótimo personagem a ser construído: tem carne e osso, e algo que o torna diferente. Essa é uma forma excelente de começar a criar um personagem: ele já te entrega algo antes mesmo de você começar a escrever.
Eu tenho centenas de protopersonagens em meus arquivo de protopersonagens, ou seja, personagens em construção. Eu não faço ideia em quais contos vou utilizá-los. Mas a questão não é essa na verdade. Essas situações de vivências são os gatilhos para criar criativamente. Hoje estou escrevendo o conto do "Velho de Terno Marrom". O tema é a questão do "desencaixe" ou "estranhamento" na sociedade de hoje
Aprenda e Anote as Contribuições de Outros Autores
Nomeei um post de "Uma ajuda de Sylvia Plath em A Redoma de Vidro". O título foi bastante enigmático para mim, pois só havia uma citação. Demorei um pouco a identificar qual a ajuda estava ali.
"Eu tinha lido um dos livros da Sra. Guinea na biblioteca pública — por algum motivo a biblioteca da universidade não tinha nenhum — e ele estava abarrotado de perguntas longas e cheias de suspense, tipo “Seria Evelyn capaz de perceber que Gladys conhecera Roger no passado? — perguntava-se fervorosamente Hector” e “Como poderia Donald casar-se com ela quando sabia da pequena Elsie, escondida com a Senhorita Rollmop numa distante fazenda no interior? — indagava Griselda a seu frio travesseiro sob a luz do luar”. Esses livros renderam a Philomena Guinea, que depois me diria que fora uma péssima aluna na faculdade, milhões e milhões de dólares."
A questão é que o narrador está antecipando a história, direcionando a atenção do leitor com intervenções de caráter explicativo. Há uma quebra de voz: apesar de serem os personagens que estão dizendo, claramente o narrador está se dirigindo ao leitor para costurar seu enredo. Antecipar a história e explicá-la nunca é bom: aponta para uma falha na construção da narrativa ou supõe a incapacidade do leitor acompanhar o enredo. Também não é uma boa forma de construir a personagem porque retira sua alma, a personagem é visivelmente uma marionete na mão do autor. Mas isso não quer dizer que personagens não devem se interrogar. A questão é quem e para que está interrogando-se.
👉 Neste sobre a técnica de escrita de Hemingway, você pode aprofundar essa discussão.
Faça uma Coleção de Trechos Temáticos Organizados
É para usar o Ctrl+C, Ctrl+V? Ninguém vai culpá-lo se usar! Quem não usa? Mas a intenção é outra: ter recursos de escrita à mão. A descrição da sua personagem não ficou boa? Dê uma olhada em seu acervo de "descrições de personagens"! Sua ambientação de cena ficou uma "bosta"? Consulte seu acervo de ambientação de cenas. Peça reforço ao seu banco de dados! Como exemplo, vou citar alguns trechos que classifiquei como descritores de personagens:
Um homem rechonchudo de meia-idade, com olhos francos e azuis que conseguiam dar uma impressão de simpatia, embora, de fato, não apresentassem expressão alguma.
👉 Em O Sono Eterno, de Raymond Chandler.
Marcel chegou ao barco, os olhos azuis cheios de surpresa e assombro, com tantos reflexos quanto o rio. Olhos famintos, ávidos, desprotegidos. Sobre a expressão inocente e absorta, caíam grossas sobrancelhas, selvagens como as de um camponês. Sua rusticidade era atenuada pela testa luminosa e pelos cabelos sedosos. A pele também era frágil; o nariz e a boca, vulneráveis e transparentes; mas as mãos de camponês, como as sobrancelhas, denunciavam sua força.
👉 Em Delta de Vênus, de Anaïs Nin.
Use Exemplos Negativos, Inclusive de Autores Que Não Gosta
Eu odeio as cenas clássicas nas quais o narrador descreve o ambiente antes da ação. Para que isso? Descreva o ambiente em pequenas doses, no meio da ação. Assim, é o indubitavelmente certo! (Brincadeira, não há certezas na literatura e você pode arrasar de diversas maneiras.)
Há algumas semanas, em um post em que discuti o tema 👉 Mostrar e/ou Contar como técnica narrativa, precisei de uma cena clássica. Você acha que fui para minha biblioteca poeirenta e desorganizada procurar? Jamais! Fiz uma busca em meu blog: "ambientação de cena chata". Ela retornou esse pequeno trecho:
"Em casa de Gavrila Afanássievitch, um cubículo estreito com uma só janelinha ficava à direita do vestíbulo. Nele havia uma cama simples, com cobertor de baeta, e, na frente, uma mesinha de pinho, com uma vela de sebo acesa e um caderno de música aberto. Pendiam da parede um velho uniforme azul e um tricórnio da mesma idade; em cima deste, estava fixado com três pregos um quadrinho barato representando Carlos XII a cavalo. Sons de flauta ressoavam nessa tranquila morada. O mestre de danças prisioneiro, seu solitário inquilino, de barrete e roupão chinês, adoçava o tédio da noite de Inverno ensaiando antigas marchas suecas, que lhe recordavam os tempos alegres da mocidade. Tendo dedicado duas horas a este exercício, o sueco desmontou a flauta, guardou-a no estojo e começou a despir-se. Nesse momento, ergueu-se a tranqueta da sua porta, entrando no quarto um jovem bonito e alto, de uniforme. O sueco parou surpreendido em frente do hóspede casual. -- Tu não me reconheceste, Gustav Adamitch -- disse o jovem visitante, a voz comovida. -- Não te lembras do menino a quem ensinaste o artigo da língua sueca, e com quem quase fizeste um incêndio neste mesmo quartinho, ao atirar com um canhãozinho de brinquedo. ..."
👉 Em A Dama de Espadas, de Aleksandr Puchkin.
Na literatura, você precisa de todos os recursos à mão. Certamente precisará de cenas cujo início seja a ambientação mais descritiva. Por isso, vale a pena dar atenção às oportunidades que autores menos admirados por você oferecem.
Nenhum Bruxo Conta a Bruxaria
Resumindo, tenha seu espaço pessoal para desenvolver suas ideias e conectá-las transversalmente. Mas não conte para ninguém: se contar não é mais original. Espere o texto pronto. A originalidade não é um raio que cai do céu, mas o fruto do pensamento transversal. Ao invés de seguir caminhos óbvios dentro de uma única área, a inovação surge ao conectar ideias de campos distintos. Essa habilidade de cruzar fronteiras do conhecimento revela novas perspectivas e soluções verdadeiramente inéditas, transformando o familiar em algo surpreendente.
Dicas para seu "Blog" Particular:
Crie "fichamentos" do livro em questão para ter uma uma visão contextualizada e aprofundada
Crie arquivos transversais por tema: "construção de personagens", "diálogos", "ambientação".
Seja simples e eficiente: Não perca tempo organizando o texto. Você não está realmente escrevendo um post público. Está alimentando sua memória externa, seu banco de dados.
Escolha palavras-chave eficientes: Elas devem funcionar bem quando seu banco de dados crescer. O exemplo "Descritores de Personagens" é bom, mas pode ser pouco específico. Hoje, eu provavelmente usaria "Descritores de Personagens - Características Físicas".
Onde Hospedar seu "Blog"?
O meu está hospedado no WordPress (https://wordpress.com/). Escolhi por ser o maior serviço de hospedagem de blog, pela esperança de que permanecesse funcionando por longo tempo e por ser gratuito.
Meu blog particular, se quiser conhecer, está em notas.revisaodialogal.com.br. O acesso é restrito.


É uma boa ideia
Muito interessante, mas tem que ter muita disciplina para fazer!! Não é pra mim não. 😊