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Dissecando Rubem Fonseca: A Força (Bruta) da Escrita

  • Foto do escritor: Ana Amélia
    Ana Amélia
  • 24 de jul.
  • 4 min de leitura

Ilustração em estilo noir de um homem forte e solitário em uma rua urbana, refletindo o tema do conto "A Força Humana" de Rubem Fonseca.

E aí, pessoal que sua em cima da página em branco! Ana Amélia na área, pronta para mais uma sessão de autópsia literária. Hoje, nosso "corpo" na mesa de cirurgia é um dos mestres da porrada verbal, o grande e temido Rubem Fonseca. E a peça escolhida para a nossa análise é o conto "A Força Humana".


Sabe aquele tipo de texto que te agarra pelo colarinho, te chacoalha e te joga contra a parede? Pois é. Fonseca não escreve para afagar, ele escreve para nocautear. E, como bons masoquistas literários que somos, queremos aprender a bater (e a apanhar) com a mesma elegância.

Mas, antes de começarmos a dissecação, vamos à nossa regra de ouro.

Agora, vistam seus jalecos. É hora de pegar o bisturi.


O Realismo Brutalista em "A Força Humana"


Vamos direto ao ponto, sem anestesia, que é como o mestre gosta. Peguem o comecinho do conto:


"Eu queria seguir em frente mas não podia. Ficava parado no meio daquele monte de crioulos — uns balançando o pé, ou a cabeça, outros mexendo os braços; mas alguns, como eu, duros como um pau, fingindo que não estavam ali, disfarçando que olhavam um disco na vitrina, envergonhados. É engraçado, um sujeito como1 eu sentir vergonha de ficar ouvindo música na porta da loja de discos. Se tocam alto é pras pessoas ouvirem; e se não gostassem da gente ficar ali ouvindo era só des2ligar e pronto: todo mundo desguiava logo. Além disso, só tocam música legal, daquelas que você tem que ficar ouvindo e que faz mulher boa andar diferente, como cavalo do exército na frente da banda."
"A questão é que passei a ir lá todos os dias. Às vezes eu estava na janela da academia do João, no intervalo de um exercício, e lá de cima via o montinho na porta da loja e não aguentava — me vestia correndo, enquanto o João perguntava, “aonde é que você vai, rapaz? você ainda não terminou o agachamento”, e ia direto para lá. O João ficava maluco com esse troço, pois tinha cismado que ia me preparar para o concurso do melhor físico do ano e queria que eu malhasse quatro horas por dia e eu parava no meio e ia para a calçada ouvir música. “Você está maluco”, dizia, “assim não é possível, eu acabo me enchendo com você, está pensando que eu sou palhaço?”"

Analisado o trecho, vamos aos "truques" que fazem dele um soco no estômago do leitor.


A Anatomia do Nocaute: Técnicas de Rubem Fonseca



O Soco Direto: Linguagem sem Firulas


Perceberam a ausência de palavras "bonitas"? Fonseca não está aqui para fazer poesia. A escolha lexical é crua, direta, quase jornalística. Expressões como "duros como um pau", "desguiava logo" e "o João ficava maluco com esse troço" jogam o leitor diretamente na cabeça do narrador. Não há um filtro de polidez. É a vida como ela é, ou melhor, como o personagem a sente.

Para seu caderninho: Esqueça o dicionário de sinônimos. Às vezes, a palavra mais simples e direta é a que carrega mais força. A veracidade da voz do seu personagem vale mais que qualquer preciosismo.


O Corpo Fala: Ação em Vez de Descrição


Notem que não temos parágrafos e mais parágrafos sobre a angústia existencial do personagem. O que ele faz? Sente um incômodo, uma paralisia, e a reação é física: ele vai para a academia malhar. A "força humana" do título não é (apenas) uma força moral, mas uma força brutal, física, uma tentativa de sentir algo, de ter controle sobre o próprio corpo quando não se tem controle sobre a vida. A inquietação dele não é descrita, ela é mostrada pela ação de abandonar o treino para ouvir música na rua.

Para seu caderninho: Seus personagens têm um corpo. Use-o. Em vez de dizer "ele estava triste", mostre-o chutando uma lata na rua. Em vez de "ela estava ansiosa", mostre-a roendo as unhas até sangrar. É o bom e velho "mostre, não conte", mas com um diploma de MMA.


A Trilha Sonora da Rua: O Ritmo da Prosa


Leiam em voz alta. As frases são curtas, cortadas, com o ritmo de uma cidade pulsante. "Merda. Mudamos de canal, prum bangue-bangue. Outra bosta.". A pontuação é simples, quase ofegante. Isso cria uma sensação de urgência e imediatismo. Não é uma narração distante, é um fluxo de consciência que nos arrasta para dentro da cena.

Para seu caderninho: Pense no ritmo do seu texto como uma trilha sonora. Frases longas e sinuosas para momentos de reflexão. Frases curtas e diretas para cenas de ação ou tensão. A pontuação é a sua bateria. Use-a.


Pegue seu diploma de Brutalismo


Estudar Rubem Fonseca é como treinar com um mestre de artes marciais. Dói, mas você aprende. A lição de "A Força Humana" é clara: a literatura pode e deve ter a força de um soco bem dado.

Não tenham medo de sujar as mãos. De usar a linguagem da rua. De construir personagens que agem mais do que pensam. Deixem a "literatura com L maiúsculo" para os acadêmicos e escrevam com as vísceras. Seus leitores, nocauteados, agradecerão.

Até a próxima autópsia!


Beijos e cotoveladas,

Ana Amélia.


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