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Aprenda a fazer texto realístico!

  • Foto do escritor: ReVisão Dialogal
    ReVisão Dialogal
  • 1 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 13 de mai.


Todo escritor é um mentiroso verossímil!


Não acredita que todo escritor é um mentiroso !?

Tudo o que você leu é apenas estória, é óbvio, mas muitos escritores novos parecem se esquerecem disso. Na literatura as coisas parecem reais, mas não sã; são verossímil. A verrossimilhança é contruida com técnicas de escrita, a Quem leu "Os Sertões", de Euclides da Cunha, pode contra-argumentar que ele foi objetivo. Mas há apenas uma interpretação dos fatos. Só assim para a literatura ser verdade e realidade!


Mas chega de filosofia! Vamos passar para as técnicas de escrita criativa que criam verossimilhança em Coetzze. Começo com a resenha do livro Desonra.



Análise da técnica de Coetzze

Esta cena é fundamental no livro, pois é quando começa o processo de decadência de David. Trata-se do "estupro" (questionado por perspectivas diferentes) de Melanie, a aluna de David.


No palco, retomam a ação. Melanie empurra a vassoura. Um estouro, uma explosão, gritos de alarme. “Não foi culpa minha”, grasna Melanie, “Credo, por que tem de ser tudo minha culpa, sempre?” Silenciosamente, ele se levanta e sai atrás do bedel para o escuro lá de fora. Às quatro horas da tarde seguinte, ele está no apartamento dela. Melanie abre a porta com uma camiseta amassada, shorts de ciclista e chinelos com a forma de esquilo de história em quadrinhos, que ele acha bobos, de mau gosto. Ele não avisou que vinha; ela fica surpresa demais para resistir ao intruso que impõe sua presença. Quando ele a pega nos braços, ela fica mole como uma marionete. Palavras duras como bastões batem o delicado labirinto de seu ouvido. “Não, agora não!”, ela diz, se debatendo. “Minha prima vai voltar logo!”

Os mecanismos de Verossimilhança


1. A interpolação do discurso livre indireto:


“Não foi culpa minha”, grasna Melanie, “Credo, por que tem de ser tudo minha culpa, sempre?” [...] “Não, agora não!”, ela diz, se debatendo. “Minha prima vai voltar logo!”


Isso cria verossimilhança. Alguém falou, havia outras personagens lá. Não é mais a voz exclusiva do narrador. Há comprovação de terceiros, portanto é possível ou provável.


Ela mostra (melhor mostrar do que contar, será?) emoção. Há vida nas personagens. O uso do verbo "grasnar" é uma escolha que reforça a emoção.


Ela cria ação. Todo diálogo é ação, direto ou indireto. As personagens só tem vida se agem.




2. Banalidade


"Melanie abre a porta com uma camiseta amassada, shorts de ciclista e chinelos com a forma de esquilo de história em quadrinhos, que ele acha bobos, de mau gosto."  


Por que, diabos, alguém iria falar de chinelos se eles não estavam lá? Além de dar vida à Melanie, a banalidade dos chinelos cria um contraponto à tensão, desperta o leitor. Quem iria pensar em algo tão pequeno e sem importância? É difícil imaginar algo assim. Ela usa pantufas de personagens de cartoon! Mas quem não usa?


Só por curiosidade: Lygia Fagundes Telles também usava essa técnica com frequência.


"Ele não avisou que vinha; ela fica surpresa demais para resistir ao intruso que impõe sua presença."



A prosa austera e despojada de Coetezze


A economia de palavras


Um estouro, uma explosão, gritos de alarme. O único conectivo é a vírgula e não há verbo. Ele não usa uma estrutura do tipo "aconteceu isso, depois isso..."  Ele apenas usou a sucessão das palavras e consequentemente, de acontecimentos.


O uso excessivo de conectivos (mas, portanto, porque, pois, depois, então etc.) é fruto da escrita escolar e, de fato, aponta para a insegurança do autor ou o menosprezo ao leitor, que é concebido como inacapaz de fazer conexões e interpretações.


Essa ausência, esse vazio, que a prosa contida cria, chama o leitor à interpretação e ao engajamento. Nós não aceitamos muito bem a desordem criada pelas ausências. Naturalmente somos chamados a preeenchê-las.


A linha cronológica


"Silenciosamente, ele se levanta e sai atrás do bedel para o escuro lá de fora. Às quatro horas da tarde seguinte, ele está no apartamento dela."


Não sabemos o que aconteceu entre ele levantar-se e as quatro horas do dia seguinte. Faz alguma diferença? Nenhuma. Repare na ausência de conectivo. Um simples ponto final resolve o assunto.

O excesso de descrição na linha temporal é um dos piores e mais frequentes erros de novos escritores. Qualquer ação infinitamente. "Uma borboleta entrou pela janela e pousou nas frutas." Agora, imagine que você queira capturar toda a beleza do bater das asas da borboleta? De quantas páginas você vai precisar para descrever e adjetivar? Pura monotonia! E cuidado: você vai acabar com lesão por esforço repetido e, seu leitor, de saco cheio.


As metáforas:


As duas únicas metáforas estão em apenas 3 linhas:

Quando ele a pega nos braços, ela fica mole como uma marionete.

Palavras duras como bastões batem o delicado labirinto de seu ouvido. 

Lição de Coetzze: metáforas curtas e secas também são geniais. Preservam o ritmo da leitura.



Resenha

Capa de Desonra de J.M. Coetzee

"Desonra" (1999), vencedor do Booker Prize, nos confronta com a derrocada moral e existencial de David Lurie, um professor de literatura na Cidade do Cabo que, após um caso com uma aluna, é forçado a se demitir e buscar refúgio na fazenda de sua filha, Lucy, no interior da África do Sul. A partir desse ponto de inflexão, Coetzee tece uma narrativa densa e implacável sobre temas como vergonha, poder, raça, redenção e a brutalidade inerente à condição humana.

A trama, aparentemente simples, se desdobra em camadas de significado através da lente da experiência de David e Lucy em um contexto pós-apartheid marcado por tensões raciais e violência.

O ataque brutal que Lucy sofre na fazenda serve como catalisador para a exploração da vulnerabilidade, da perda de controle e da complexidade das relações de poder em uma sociedade em transformação. Coetzee não oferece soluções fáceis ou personagens heroicos; em vez disso, apresenta figuras falhas, presas em suas próprias limitações e confrontadas com a fragilidade de suas identidades.

Um dos aspectos mais marcantes de "Desonra" é a prosa austera e despojada de Coetzee . Sua escrita evita o excesso de adjetivos e descrições elaboradas, concentrando-se na essência dos eventos e nos pensamentos e emoções dos personagens. Essa sobriedade estilística intensifica o impacto da narrativa, conferindo-lhe uma sensação de urgência e inevitabilidade. As frases concisas e diretas, por vezes quase clínicas, refletem a frieza e a alienação sentidas por David, mas também permitem ao leitor um espaço para a própria interpretação e reflexão.

A economia de palavras não implica em superficialidade. Pelo contrário, cada palavra parece carregada de significado, contribuindo para a atmosfera opressora e para a imersão do leitor na psique dos personagens. Os diálogos, muitas vezes lacônicos, revelam mais pelas entrelinhas e pelos silêncios do que pelas palavras proferidas, expondo as dificuldades de comunicação e a distância emocional entre os indivíduos.

Em suma, "Desonra" é um romance incômodo e provocador que, através de sua prosa precisa e da exploração de temas universais em um contexto específico, desafia o leitor a confrontar questões de ética, responsabilidade e a natureza da própria humanidade. A ausência de sentimentalismo e a sobriedade estilística de Coetzee não distanciam o leitor, mas intensificam a força da narrativa e a profundidade das reflexões.


O livro Desonra (Disgrace), de J.M. Coetzee , ganhou o Booker Prize em 1999, um dos prêmios literários mais prestigiados do Reino Unido. Além disso, Coetzee recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2003.





2 Kommentare

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João Felipe
09. Mai
Mit 5 von 5 Sternen bewertet.

Dicas válidas com exemplos claros e contrapontos importantes. A arte de escrever também está na imaginação do leitor. Menos é mais e contribui para uma leitura mais fluida e menos cansativa.


Não conhecia o livro em questão, mas depois da resenha fiquei com vontade de conhece-la.

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Gast
04. Mai
Mit 5 von 5 Sternen bewertet.

"Muito legal! Eu me vi nesse comentário — realmente, como escritor iniciante, percebo que costumo exagerar nos detalhes. Para mim, aprender com exemplos assim é o que mais ajuda. Foi muito útil!"


— Deivison Souza

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